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sábado, 5 de novembro de 2011

Jurisprudência e Decência: Rimas de costas voltadas

Imaginemos que eu vou a conduzir calmamente e deparo-me com um carro estacionado numa curva onde não tenho visibilidade. O que fazer? Normalmente, reduzo a velocidade ao mínimo, passo ao lado desse carro e espero que não venha outro lançado em sentido contrário.

Continuemos o nosso exercício de construção de cenários possíveis: Imaginemos que, por azar, vem mesmo um carro em sentido contrário e enfaixamo-nos de frente. Quem é o culpado?

Eu. Limpinho, sem espinha! E o malandro que tinha o carro estacionado em plena curva? Eventualmente pagará uma multa por ter o carro mal estacionado. O tribunal não é sensível ao fato de eu não ter outra hipótese para passar nesse troço.

De acordo com o princípio da jurisprudência, os tribunais deveriam seguir obrigatoriamente esta “regra”… certa ou errada!

Tomemos, por exemplo, o caso do malandro que incorre num crime (representa o condutor que saiu fora de mão, com a agravante de, neste caso, não ser obrigado a tal!). Entretanto, a prova do crime fica registada numa escuta… infelizmente ilegal (é o carro mal estacionado na curva). O que decide o tribunal? Anula o julgamento porque a escuta é ilegal. Mesmo que nesta haja a confissão direta do crime. Afinal, onde está a jurisprudência? Sim, o que deveria acontecer era multar o indivíduo que fez a escuta de forma ilegal. Após a audição da escuta e provado que o criminoso era-o de fato, seria devidamente condenado: tal como no caso rodoviário. Mas, como em muitas áreas da justiça, a jurisprudência é um mecanismo de utilização seletiva pois, habitualmente, os crimes que se conseguiriam provar com escutas ilegais, envolvem, estranhamente, personalidades estratosféricas e não gente comum.

Terminemos aqui este assunto e suponhamos que o que se segue nada tem a ver com o conteúdo anterior.

Paulo Penedos, um dos arguidos no processo Face Oculta, requereu a nulidade da decisão do presidente do Supremo Tribunal de Justiça - Noronha do Nascimento - exigindo conhecer o conteúdo das escutas telefónicas depositadas no Tribunal de Ovar. Assim, o Tribunal Constitucional vai pronunciar-se sobre a posição de Noronha do Nascimento, que defendeu que a sua decisão em destruir as tais escutas - envolvendo José Sócrates e Armando Vara - não poderia ser posta em causa.

Lembrete: uma vez que as escutas envolviam o primeiro-ministro, teriam de verificar um conjunto de requisitos para poderem ser validadas. Esses requisitos não terão sido estritamente verificados.

E, nesta sequência, termino com mais uma daquelas informações que fazem com que o povo português seja dos mais depressivos do planeta – o contrário é que seria milagre:

É que a Justiça voltou ao nosso caro amigo Armando Vara (também um dos homens do processo Face Oculta): consta das suas declarações em 2008 e em 2009 um milhão e 500 mil euros de rendimentos – por partes: um milhão e 200 mil são salários como trabalhador dependente (administrador do BCP, Ah Ah Ah) e … como pensionista, que é (Portugal no seu melhor).
Para perfazer o valor declarado, houve uns incrementos patrimoniais e umas entradas de cash, aqui e ali. Nada de muito importante. Houve, além disso, umas saídas em jeito de malabarismo, que fazem suspeitar existência de crime.

Em modo de conclusão, a diferença entre os rendimentos auferidos por Armando Vara e o que entrou nas suas contas bancárias, em 2008 e 2009, corresponde a 800 mil euros não declarados ao Estado. Em condições normais este palpável diferencial deveria obrigar o senhor a responder pelos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais. Não estou totalmente convencido de que as coisas venham a ser assim na prática.

Quanto ao nosso saudoso Ex-Primeiro-Ministro, Sócrates, é como digo: só no caso rodoviário quem sai da sua faixa é que leva com a culpa pelo acidente.